A pressão estética é um tema que tem sido bastante abordado após a morte da cantora Paulinha Abelha, que aconteceu no final de fevereiro.
De acordo com laudos médicos, a cantora faleceu após complicações decorrentes do uso excessivo de remédios para emagrecer, tais como inibidores de apetite, queimadores de gordura, entre outros.
Para falar sobre a relação entre pressão estética e saúde mental, vamos entrevistar a profissional Clara Cerqueira, que tem como um dos motivos de atendimento Transtornos Alimentares.
Qual a sua abordagem?
Psicanálise Freud-Lacaniana
Quais os temas mais recorrentes entre os seus pacientes?
As queixas que mais aparecem em meu consultório e que impulsionam os pacientes à busca por uma escuta analítica, são os sintomas de ansiedade e angústia à nível físico, uma vez que o afeto afeta sim, e se então represado, escoa no real do corpo, este que opera como o palco das manifestações psicossomáticas. Nesse sentido, a partir do acolhimento do “pedido de ajuda” inicialmente discorrido nas entrevistas preliminares, entra-se então na busca por identificar e delinear o que o paciente formula como demanda de análise, e para ela, os “nomes” mais recorrentes são: sentir-se deprimido, dificuldade de tomada de decisão, pensamentos insistentes relativos a doenças e morte, inseguranças, transtornos alimentares e questões com o vínculo afetivo parental.
Qual a sua opinião sobre a chamada “Ditadura da Beleza”?
Os padrões estéticos sempre existiram para cada cultura e época, através de ideais do que seria um corpo “perfeito”, isto é, concepções pautadas em parâmetros inalcançáveis de imagem corpórea, uma vez que cada corpo físico é singular, bem como, a relação que o sujeito estabelece com si mesmo. Concomitante, nos últimos tempos, soma-se a isso, a partir das novas tecnologias das mídias, redes sociais, aplicativos de edição de imagens e os gadgets disponíveis na palma da mão, que o ideal de beleza, felicidade e sucesso, ganhou força e tem se propagado de modo coercitivo, gerando assim um aprisionamento social à tirania da beleza.
Com a Era tecnológica, em que a vida pessoal é fotografada, filmada e compartilhada a todo instante, os youtubers, blogueiros e agora, os tiktokers, vendem um estilo de vida, moda e comportamento impecáveis aos seus seguidores: o imperativo atual é o de mostrar uma imagem que seja aceita na sociedade, com a função de agregar status social e valor.
Nesse sentido, para além da constante luta contra o peso e os traços físicos indesejáveis, têm-se batalhado também contra o tempo, pois a beleza cada vez mais, tem sido associada à juventude, isto é, instalou-se uma luta desenfreada e sem limites, por uma causa perdida.
Seria a beleza padrão, sinônimo de felicidade? Atualmente, essa é a mensagem que fica nas entrelinhas, e assim, a busca pelo o que é considerado belo a qualquer preço, é justificada como um caminho para ser feliz.
Existe alguma relação entre a questão emocional e o emagrecimento?
Talvez possamos pensar o nome “emagrecimento” já como sendo uma possível questão a ser analisada, afinal, quando se fala nisso, a pergunta que se produz em seguida é: “e porquê?” “para que?” “qual o motivo?”. Bom, seja lá qual for a resposta, para fins de saúde ou estéticos, parece haver sempre algo encoberto nessa demanda formulada pelo sujeito por emagrecer.
Vivemos numa supremacia da aparência, em que alternativas imediatas para o excesso de peso (ou não excesso, também) são disseminadas pelas mídias sociais, a partir de promessas com fórmulas mágicas, cirurgias plásticas e dietas milagrosas, tudo em prol de uma imagem olímpica e escultural, ideal. Não tenho dúvidas, de que nossa relação com o corpo se alterou por intermédio do advento da tecnologia digital, uma vez que patologias por exagero ou inibição se proliferaram mediante a retórica do controle que se tornou mais forte. Nesse sentido, o sujeito muitas vezes vive às voltas numa espécie de massacre de si mesmo, em torno do “controle-se”, “conte calorias”, “vigie o peso”. A Psicanálise na clínica oferece justamente a lógica contrária, e suspende essa retórica policialesca do emagrecimento na contemporaneidade, convocando o sujeito à uma outra atitude com relação a si, de cuidado e de buscar compreender a relação que estabelece consigo, suas fantasias e o olhar do Outro.
As transformações corporais por meio dos regimes e dietas jejuais, podem revelar uma dificuldade de aceitação simbólica de si, a partir de percursos que estão atravessados pelo imperativo invasivo da moral e beleza, em que o magro se identifica com o “bom” e “belo”. O exagero pelo emagrecimento pode sinalizar ao sujeito, um encantamento e fixação por si, uma espécie de exigência interna que se auto-alimenta, e que pode levar a transtornos de percepção de auto-imagem e alimentares. Penso que no processo de emagrecimento, o núcleo central muitas vezes passa pelo o que o sujeito faz e lida com sua angústia, isto é, como a funcionalidade psíquica opera na transformação da angústia num problema externo (fuga para realidade), pois assim inconscientemente, tem-se a falsa sensação de que se pode controlá-la por estar fora do corpo. Seguindo tal lógica, de deslocar o afeto para o objeto externo comida e seu ritual da alimentação, uma série de processos ligados à economia psíquica de gerir a angústia (e, de digeri-la), evocam satisfação através da nossa primeira zona erógena de prazer e que por isso, muito arcaica e primitiva: a boca. No consultório, o sujeito então, será convidado a falar de suas dores e do seu vazio, na tentativa de simbolizá-los e de escoar pela via da palavra.
Qual mensagem você deixaria para quem quer emagrecer?
Lembrei da música “Comida”, Titãs: “Você tem sede de que? / Você tem fome de que? / Afinal, como a música bem-diz, “A gente não quer só comer/ A gente quer prazer/ Pra aliviar a dor...”
É, falar emagrece! Recomendo começar falando em análise ou terapia.
Clara Cerqueira - CRP: 03/11100